IPN - Instituto Pedro Nunes - Empreendedorismo para os mais velhos: o espaço das possibilidades

IPN     IPN Incubadora
Empreendedorismo para os mais velhos: o espaço das possibilidades
Geral
 
Por um acaso, (re)encontrei recentemente uma revista Exame de Abril de 2020 contendo um artigo intitulado ‘Podemos ser todos empreendedores?’ do Prof. Soumodip Sarkar, investigador e académico que muito admiro. Nesse texto de opinião, o autor pretendia dar a sua contribuição para o já longo debate em torno de ‘ser empreendedor é inato ou algo que se pode aprender?’. Argumentava também acerca do papel que a promoção do empreendedorismo pode representar no desenvolvimento pessoal e da sociedade, aliás desde o ensino básico, e de como Portugal estava de fora dessa realidade. Rematava o exposto com a frase ‘sim, podemos ser todos empreendedores – não necessariamente no sentido de criar empresas, mas de pensar, ser criativo e agir’.

O que leva à seguinte questão: como medir de forma justa o valor associado às iniciativas de promoção do empreendedorismo? Pelo número de empresas criadas, pelo número de empregos gerados, pelo valor em faturação ou pelo montante em exportações dessas novas empresas? Sim, definitivamente. Mas atualmente tal análise é tão correta quanto incompleta.


Durante um total de 10 anos fui responsável pela implementação e coordenação de Programas de Formação e Capacitação em Empreendedorismo, junto de diversos públicos-alvo com diferentes proveniências e habilitações base, em vários locais do País e também no estrangeiro. Reconhecendo o investimento (público sobretudo, mas também privado) feito nestas iniciativas, o valor por elas deixado vai muito para além de indicadores financeiros. Isto porque, ao acompanhar o percurso dos participantes, não é possível ignorar o efeito deixado junto de quem os frequenta, nomeadamente na forma de pensar e de encarar os desafios. Mesmo se o número de novas empresas criadas não seja naturalmente elevado logo após a sessão final dos cursos.

E esta perspectiva aplica-se sobretudo quando falamos de capacitação em empreendedorismo orientada para pessoas mais velhas. Numa altura de balanço da segunda edição do Programa de Capacitação para o Empreendedorismo – ‘cinco ponto zero - 5.0’, no qual participei enquanto Consultora e Mentora, o impacto nos participantes, nos/as mentores/as e em toda a organização é absolutamente transformador.

Contextualizando, o ‘cinco ponto zero - 5.0’ arrancou em Portugal como um programa pioneiro por ser especificamente desenhado e direcionado para pessoas mais velhas, pela mão experiente nestas matérias do Instituto Pedro Nunes (IPN), em 2020. Estávamos no primeiro confinamento decretado fruto da pandemia Covid-19, e com muitas dúvidas sobre qual seria o resultado de conduzir um programa destes - por força das circunstâncias - totalmente online para pessoas com mais de 50 anos. A verdade é que não só todos os participantes se familiarizaram rapidamente com a plataforma de ensino on-line, como foi desta forma possível chegar a pessoas de várias regiões do país, mas também do Brasil e de Angola. Os pitchs finais das ideias de negócio foram igualmente gravados e transmitidos on-line no Demo Day de encerramento.


A segunda e mais recente edição decorreu já durante 2022, numa parceria entre a Fundação Bissaya Barreto e o IPN, em formato blended-learning, mantendo o corpo dos conteúdos em plataforma on-line, mas agora com as sessões inicial e final em modo presencial. Do grupo de participantes faziam parte pessoas entre 50 e 74 anos de idade, que quisessem desenvolver uma ideia de negócio própria, que estivessem em qualquer situação profissional: desemprego, trabalhadores/as independentes e por conta de outrem, ou em situação de reforma. Em termos de resultados de curto-prazo, segundo um inquérito realizado logo após o programa, este foi avaliado pelos participantes com satisfação de 100%. A maior trecho, no que diz respeito ao número de empresas criadas e sua performance, oportunamente se fará esse levantamento recorrendo a um estudo longitudinal de acompanhamento.

No entanto, a maior fatia do valor associado ao 5.0 reside no que está por detrás dos vários testemunhos dos/as participantes, dos quais alguns se transcrevem:
'Passei a olhar para as coisas de maneira diferente, que nem tinham a ver com meu projeto.'
'O programa foi importante para trabalhar a mente, até porque a (minha) ideia foi mudando; comecei numa e acabei num projeto completamente diferente!’
‘Foi importante perceber que ainda não estava preparado.’
‘O 5.0 trouxe-me outras perspectivas, sobretudo em auto-conhecimento. Permite despertar para alternativas e suas implicações.’
‘Chegamos a um ponto na vida que devemos fazer aquilo que gostamos; porque há situações de injustiça que nos desgastam.’
'Voltei a estudar, a tirar mais tempo para mim. A nível intelectual foi excelente.’
‘Nunca é tarde; a questão é a dificuldade de implementar um negócio, mas neste caso até pelo contrário, porque as pessoas mais velhas têm mais disponibilidade, não têm filhos pequenos, e têm mais estabilidade financeira.’
‘Nunca tinha tido contacto com negócios; mas foi muito bom!’
‘Fiquei a conhecer um mundo completamente diferente (empreendedorismo), e não é tão inacessível como pensava; pode vir a mudar a minha vida.’
 
Estaremos então perante a assunção de que fazer parte de um programa destes contribui para aprendizagem, motivação, geração de novas ideias, criação, preparação, empoderamento, novas formas de encarar o futuro, auto-conhecimento. E isto é tão ou mais importante numa fase da vida em que frequentemente se sofre de ‘idadismo’, uma tradução literal do inglês ageism, ou a discriminação normalmente negativa sobre os mais velhos que tem como base critérios considerados subjetivos (como a capacidade produtiva), e que raramente é questionada (Rosa, M.J.V. (2020). Um tempo sem idades. Tinta da China) social e culturalmente.

Então qual o valor a atribuir ao facto de termos pessoas mais velhas motivadas, com maior auto-conhecimento e auto-estima, com novas ideias e vontade de criar? Querendo tomar as rédeas e os destinos da sua vida, sejam estes quais forem? Seria naturalmente um trabalho muito para além dos limites deste texto.

No entanto, façamos o exercício inverso: o que teria a sociedade a perder na ausência destes incrementos positivos, multiplicados por todos os que participam nestes programas? Conseguiríamos certamente atribuir um valor, ainda que estimado, associado à diminuição dos níveis de saúde mental - e consequentemente física - associados a uma crescente desmotivação e discriminação, a um maior isolamento, e até um valor económico perdido pela contribuição (maior ou menor) que as pessoas deixariam de dar. Nesse exercício, façamos as ‘contas’ totais a esses efeitos ao longo do tempo de vida ativa restante de cada um.

O reconhecimento do ‘Empreendedorismo 5.0’ no passado dia 6 de dezembro como vencedor do Prémio Boas Práticas de Envelhecimento Ativo e Saudável na Região Centro, na categoria Vida+ Aprendizagem, promovido pela CCDR Centro em colaboração com os consórcios Ageing@Coimbra e AgeINfuture, mostra-nos que este exercício já está de certa forma a ser feito. 


Um reconhecimento de que a vida não mais tem que ser enquadrada numa das atualmente instituídas 3 caixas exclusivas da linha temporal de ‘formação académica – trabalho – reforma’. Que nos apela à consciência de que qualquer pessoa pode e deve dar o seu contributo, assim o queira e possa, sem barreiras sociais ou psicológicas pré-concebidas.

Ficaríamos certamente admirados se fosse possível medir os indicadores financeiros anteriormente mencionados, relativamente a todas as empresas criadas em Portugal por pessoas com mais de 50 anos. Convenhamos que esta é uma geração que não nasceu e cresceu com redes sociais, pelo que os seus resultados são muitas vezes invisíveis ao público. O que não quer dizer que não existam. Estejamos atentos daqui em diante e provavelmente daremos conta de vários casos de sucesso de Empreendedores(as) Sénior, com histórias verdadeiramente inspiradoras de (re)começos.

Um programa de empreendedorismo – destinado a qualquer idade – não tem como objetivo único a criação de empresas. Deve sim e sobretudo ensinar: a pensar, a procurar soluções para problemas, a preparar cenários, a estimular a criatividade, a um desenvolvimento do próprio e de quem o rodeia, a ter ambição, a contribuir para a sociedade. E isto é importante para qualquer percurso incluindo, mas não só, o de criar uma nova empresa, procurar um novo trabalho, fazer voluntariado, escrever um livro, aprender algo novo, fundar uma associação, ou riscar uma das linhas da bucket list.

Sim, qualquer pessoa pode ser empreendedora, no sentido de ‘pensar, ser criativo e agir’.

PS: Parabéns à equipa do Empreendedorismo 5.0, concretamente:
Teresa Pereira Monteiro e Helena Cravino da Fundação Bissaya Barreto, Jorge Pimenta e Carla Duarte, do Instituto Pedro Nunes e, também, a todos os mentores, mentoras e participantes, que connosco partilharam os seus projetos de negócio e de vida.

Isabel Almeida Gomes
PhD Empreendedorismo Sénior, ISCTE-IUL


Date

24 of January of 2023

Partilhar